A entrevistadora sai à porta e chama,
grita.
— Próxima.
Júlia entra e se senta, a mulher
fechando a porta pergunta:
— Você se depila?
— Como?
— Depilada? Você? Tá limpa?
Demora um pouco para responder.
— Sim.
— Tira a roupa. Rápido, rápido
Ordena a mulher, não confiando
muito na resposta.
— As clientes preferem ver a
roupa em outra pessoa, é preciso estar limpa e lisa primeiramente, para agradar
e não sujar a peça, é muito chato tirar pentelho de calcinha, decidimos contratar
apenas candidatas higienizadas adequadamente.
— Certo.
Julia abaixa a saia e a calcinha.
— A parte de cima também?
— Não. Desde que você tenha
peitos.
— Ok, você não tá tão ruim, mas
se for contratada nunca ponha um pé aqui com um pelo sequer, depilação no
mínimo a cada duas semanas e sempre cheque em casa, use uma pinça.
A mulher se senta e manda Júlia
se vestir, toma o resto de uma água que há em um copo sobre a mesa, e pede mais
pelo telefone, um pouco arrogante
— Júlia Lima Soares, 22 anos,
sétimo semestre de administração, boa líder, trabalha bem em grupo, dinâmica,
amigável, experiência como vendedora em loja de conveniência, secretária em um
consultório odontológico...
— Eu tenho uma carta de
recomendação de Seu Oswaldo, o dentista.
Pega a bolsa jogada no chão e
começa a procurar.
— Não querida, não precisa.
Aliás, para essa vaga nem precisava de currículo.
— Não?
— Não flor, claro que não. Só é
necessário o envio da foto, seu histórico pouco nos importa, você só vai
experimentar calcinha e sutien e desfilar para cima e para baixo o dia inteiro.
É importante não roubar, aí você terá problemas.
Júlia engole meio seco e meio
molhado, mais seco que molhado.
— O que é preciso mesmo é ser
bonita, magra e alta, é bom ter todas essas qualidades, mas, se não for
possível é preferível que seja bonita pelo menos, o que não é o seu forte.
Só é um nariz um pouco redondo
lembra Júlia.
— A altura e o peso estão bons, o
nariz, seu nariz é um pouco grande, de resto tá tudo bem, mas, o nariz empata
um pouco. Vou precisar de outra opinião. Mas por agora tenho que ver você
andar, ande.
— Mas aqui? É um muito pequeno.
— Andar em um espaço pequeno é o
de menos, aqui até que é grande, alguns trocadores são um quarto disso aqui,
mas como eu disse andar é uma das últimas coisas com as quais você tem que se
preocupar, algumas clientes pedem até para a modelo plantar bananeira, rápido,
ainda tenho outras para atender.
Júlia começa a andar de um lado
para o outro no escritório que julga ter três metros quadrados, vai e vem, dá a
volta, meia volta, rodopios, para faz pose, na cadeira, em cima da mesa, nos
quatro cantos, perto da porta.
— Já é suficiente, entraremos em
contato.
Júlia pensa em dizer um mas,
indagar se eles vão ligar mesmo, mas desisti quase ao mesmo tempo em que pensa
nisso, não vai adiantar muita coisa.
— Está bem, vou esperar ansiosa.
— Eu sei que vai.
A mulher abre a porta, Júlia sai
e ela chama:
— Próxima!
Uma garota já está perto da porta
e a entrevistadora chama de novo:
— Próxima!
E fala baixo perto da outra
garota. — Você não querida me desculpe.
Pelo menos ela ainda pede
desculpas, Júlia fala em sua cabeça passando por várias outras candidatas. Ela
sai pelo corredor que entrou, cheio de cadeiras desconfortáveis encostadas nas
paredes, cada uma com uma garota desconfortada recostando-as. Chega ao saguão
da recepção, vê pelas janelas e portas de vidro que chove, tira uma guarda
chuva minúsculo de dentro da bolsa, abri ali dentro mesmo e vai embora.
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